domingo, 14 de abril de 2013

A falta de sonhos das crianças de rua



Com um sorriso no rosto, enquanto limpa o parabrisas dos veículos,  ele encanta motoristas e pedestres. Eram 16h41min de uma tarde de sol forte de quinta-feira. No cruzamento da Avenida Bernardo Vieira com a Rua dos Pegas, nas Quintas, ele faz seu ponto de trabalho. Aos 12 anos, Gabriel E., divide sua rotina de limpador de vidros com mais três meninos, não muito mais velhos que ele.  O misto de infância e maturidade, de quem aprendeu na rua o que é a vida, se perde na profundeza do seu olhar.

Aos onze anos ele abandonou sua mãe e seus nove irmãos, sob a ameaça de ser morto por um dos mais velhos. Desde então, busca nas ruas sua sobrevivência. Entre carros e caminhões, ele se mantém com o apurado nas limpadinhas dos parabrisas, como um adulto que precisa trabalhar honestamente para se manter mensalmente. Após vagar pelas ruas da zona norte, foi acolhido por três amigos e levado ao Conjunto Novo Horizonte, onde divide uma casa com seus acolhedores. Juntos, eles formam uma família.

No vai-e-vem dos veículos, seu olhar se perde no horizonte e ele tenta esconder sua fragilidade de criança – carente e insegura – quando relembra da sua mãe, dos seus irmãos e do que, um dia, ele chamou de lar. “Sinto saudades de casa, da minha mãe. Mas tive que sair porque senão meu irmão mais velho me mataria”, desabafa. Desde que saiu de casa, há mais de um ano, jamais voltou e não sabe onde sua mãe está morando hoje em dia. Sobre seu pai, não tem notícias há muito tempo.

Muitas crianças têm sua infância usurpada pelos mais diversos motivos: pais violentos, seio familiar desestruturado, drogas. Biel, como gosta de ser chamado, é mais um dos meninos que cercam os veículos quando estes param no semáforo, em busca de uma moeda, seja para comprar alimentos ou drogas, para fugir da fome e esquecer do mundo que os cerca.

Em comum entre eles há o abandono da família, da escola e a perda da identidade. Em grupo, eles são julgados como ladrões, viciados e são deixados à margem da sociedade, como se não fizessem parte dela. Na fase em que os sonhos e os projetos para o futuro se fazem mais presentes que nunca, eles não têm a certeza de que estarão vivos no dia seguinte. Temem ser pegos, mais uma vez, pela polícia e sofrer espancamento.

Biel, apesar de não ler, sabe rezar. Aprendeu com sua mãe e diz que reza todas as noites pedindo a Deus muitos anos de vida. “Peço a Deus que me dê vida. Meus amigos estão sendo mortos pela polícia. Eles mataram o Léo e eu não quero morrer agora, sou muito novo”. Apesar de ser apenas uma criança, a vida lhe ensinou, da forma mais cruel possível, que é preciso amadurecer.

Num corpo franzino e sujo, envolto pelo esteriótipo de drogado, Biel esconde sua inocência e a vontade de ser criança, apenas criança. “Eu não sonho, não tenho sonhos. Não sei. Queria ser pastor evangélico”. De rodo e garrafinha com sabão em mãos, ele segue para mais uma jornada de trabalho, com o mesmo sorriso de criança e a maturidade de um adulto.

fonte: http://tribunadonorte.com.br/news.php?not_id=162131 - acessado em 11/04/2013

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