quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Coral Infanto-Juvenil do Palácio das Artes - Có,Có,Có!!!


mensagem de fim de ano

Foi mais ou menos assim que esse blog começou, no fim de 2011, agora já tem um ano, com altos e baixos, uma descontinua postação, mas com seus momentos de alegria.
Conseguimos aumentar nosso público brasileiro, que se superou os russos, que eram no começo os principais leitores(valeu nação russa).
O Nagarrafa deixou de ser um espaço no qual eu publicava minha produção, para ser um local na qual eu compartilhava minhas referências. Nos últimos meses a periodicidade de postagens ficou defasada, entretanto no foi por descaso de seu autor, mas porque eu tenho estado tolhido de meu acesso a internet o que me dificultou até mesmo a leitura de emails.
Enfim como diria os maias, 2013 abre uma nova era de nossa existência e novas possibilidades deverão ser experimentadas.
Que veia o fim do mundo, o fim do ano, o fim de um ciclo, e que 2013 seja um pouco mais inusitado.

abraços
nagarrafa

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Reinações de Narizinha - Monteiro Lobato


No outro dia a menina levantou-se muito cedo para levar a boneca ao
consultório do doutor Caramujo. Encontrou-o com cara de quem havia comido um
urutu recheado de escorpiões.
— Que há, doutor?
— Há que encontrei o meu depósito de pílulas saqueado. Furtaram-me
todas...
— Que maçada! — exclamou a menina aborrecidíssima. – Mas não pode
fabricar outras? Se quiser, ajudo a enrolar.
— Impossível. Já morreu o besouro boticário que fazia as pílulas, sem haver
revelado o segredo a ninguém. A mim só me restava um cento, das mil que comprei
dos herdeiros. O miserável ladrão só deixou uma — e imprópria para o caso porque
não é pílula falante.
— E agora?
— Agora, só fazendo uma certa operação. Abro a garganta da boneca muda e
ponho dentro uma falinha, respondeu o doutor, pegando na sua faca de ponta para
amolar. Já providenciei tudo.
Nesse momento ouviu-se grande barulheira no corredor.
— Que será? — indagou a menina surpresa.
— É o papagaio que vem vindo — declarou o doutor.
— Que papagaio, homem de Deus? Que vem fazer aqui esse papagaio?
Mestre Caramujo explicou que como não houvesse encontrado suas pílulas
mandara pegar um papagaio muito falador que havia no reino. Tinha de matá-lo para
extrair a falinha que ia pôr dentro da boneca.
Narizinho, que não admitia que se matasse nem formiga, revoltou-se contra a
barbaridade. — Então não quero! Prefiro que Emília fique muda toda a vida a sacrificar
uma pobre ave que não tem culpa de coisa nenhuma.
Nem bem acabou de falar, e os ajudantes do doutor, uns caranguejos muito
antipáticos, surgiram à porta, arrastando um pobre papagaio de bico amarrado. Bem
que resistia ele, mas os caranguejos podiam mais e eram murros e mais murros.
Furiosa com a estupidez, Narizinho avançou de sopapos e pontapés contra os
brutos.
— Não quero! Não admito que judiem dele! – berrou vermelhinha de cólera,
desamarrando o bico do papagaio e jogando as cordas no nariz dos caranguejos.
O doutor Caramujo desapontou, porque sem pílulas nem papagaios era
impossível consertar a boneca. E deu  ordem para que trouxessem o segundo
paciente.
Apareceu então o sapo num carrinho. Teve de vir sobre rodas por causa do
estufamento da barriga; parece que as pedras haviam crescido de volume dentro.
Como ainda estivesse vestido com a saia e a touca da  Emília, Narizinho viu-se
obrigada a tapar a boca para não rir-se em momento tão impróprio.
O grande cirurgião abriu com a faca a barriga do sapo e tirou com a pinça de
caranguejo a primeira pedra. Ao vê-la à luz do sol sua cara abriu-se num sorriso
caramujal.
— Não é pedra, não! — exclamou contentíssimo. — É uma das minhas
queridas pílulas! Mas como teria ela ido parar na barriga deste sapo?...
Enfiou de novo a pinça e tirou nova pedra. Era outra pílula! E assim foi indo
até tirar lá de dentro noventa e nove pílulas.
A alegria do doutor foi  imensa. Como não soubesse curar sem aquelas
pílulas, andava com medo de ser demitido de médico da corte.
— Podemos agora curar a senhora Emília — declarou ele depois de costurar a
barriga do sapo.
Veio a boneca. O doutor escolheu uma pílula falante e pôs-lhe na boca.
— Engula duma vez! — disse Narizinho, ensinando à Emília como se engole
pílula. E não faça tanta careta que arrebenta o outro olho.
Emília engoliu a pílula, muito bem engolida, e começou a falar no mesmo
instante. A primeira coisa que disse foi: “Estou com um horrível gosto de sapo na
boca!” E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que Narizinho,
atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir
outra mais fraca.
— Não é preciso — explicou o grande médico. — Ela que fale até cansar.
Depois de algumas horas  de  falação,  sossega  e  fica  como  toda  gente.  Isto  é  “fala
recolhida”, que tem de ser botada para fora.
E assim foi. Emília falou três horas sem tomar fôlego. Por fim calou-se.
— Ora graças! — exclamou a menina. — Podemos agora  conversar como
gente e saber quem foi o bandido que assaltou você na gruta. Conte o caso
direitinho.
Emília empertigou-se toda e começou a dizer na sua falinha fina de boneca de
pano: — Pois foi aquela diaba da dona Carocha. A coroca apareceu na gruta das
cascas...
— Que cascas, Emília? Você parece que ainda não está regulando...
— Cascas, sim — repetiu a boneca teimosamente.
— Dessas cascas de bichos moles que você tanto admira e chama conchas. A
coroca apareceu e começou a procurar aquele boneco...
— Que boneco, Emília?
— O tal Polegada que furava bolos e você escondeu numa casca bem lá no
fundo. Começou a procurar e foi sacudindo as cascas uma por uma para ver qual
tinha boneco dentro. E tanto procurou que achou. E agarrou na casca e foi saindo
com ela debaixo do cobertor...
— Da mantilha, Emília!
— Do COBERTOR.
— Mantilha, boba!
— COBERTOR. Foi saindo com ela debaixo do COBERTOR e eu vi e pulei
para cima dela. Mas a coroca me unhou a cara e me bateu com a casca na cabeça,
com tanta força que dormi. Só acordei quando o doutor Cara de Coruja...
— Doutor Caramujo, Emília!
— Doutor CARA DE CORUJA. Só acordei quando  o doutor CARA DE
CORUJÍSSIMA me pregou um liscabão.
— Beliscão — emendou Narizinho pela  última vez, enfiando a boneca no
bolso. Viu que a fala da Emília ainda não estava bem ajustada, coisa que só o tempo
poderia conseguir. Viu também que era de gênio teimoso e asneirenta por natureza,
pensando a respeito de tudo de um modo especial todo seu.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Chapeuzinho Amarelo

Clássico do Chico. Como admiro muito cidadão solto essa pra o pessoal se alegrar.



Era Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo,
aquela Chapeuzinho.
Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada
nem descia.
Não estava resfriada
mas tossia.
Ouvia conto de fada
e estremecia.
Não brincava mais de nada,
nem de amarelinha.


Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol
porque tinha medo da sombra.
Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada,
deitada, mas sem dormir,
com medo de pesadelo.


Era a chapeuzinho Amarelo.


E de todos os medos que tinha
o medo mais que medonho
era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheia de teia de aranha,
numa terra tão estranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.


Mesmo assim a Chapeuzinho
tinha cada vez mais medo
do medo do medo do medo
de um dia encontrar o LOBO.
Um LOBO que não existia.


E Chapeuzinho Amarelo,
de tanto pensar no LOBO,
de tanto sonhar com LOBO,
de tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele
que era assim:
carão de LOBO,
olhão de LOBO,
jeitão de LOBO
e principalmente um bocão
tão grande que era capaz
de comer duas avós,
um caçador,
rei, princesa.
sete panelas de arroz
e um chapéu
de sobremesa.


Mas o engraçado é que,
assim que encontrou o LOBO,
a Chapeuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo,
o medo do medo do medo
de um dia encontrar um LOBO.
Foi passando aquele medo
do medo que tinha do LOBO.
Foi ficando só com um pouco
de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo
e ela ficou só com o lobo.


lobo ficou chateado
de ver aquela menina
olhando para cara dele,
só que sem medo dele.
Ficou mesmo envergonhado,
triste, murcho e branco-azedo,
porque um lobo, tirando o medo,
é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pelo.
Lobo pelado.


O lobo ficou chateado.


Ele gritou: SOU UM LOBO!

Mas a Chapeuzinho, nada.
E ele gritou: sou um LOBO!
Chapeuzinho deu risada.
E ele berrou:  EU SOU UM LOBO!!!

Chapeuzinho, já meio enjoada,
com vontade de brincar
de outra coisa.
Ele então gritou bem forte
aquele seu nome de LOBO
umas vinte e cinco vezes,
que era pro medo ir voltando
e a menina saber
com quem não estava falando:

LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO

AÍ,

Chapeuzinho encheu e disse:
"Para assim! Agora! Já!
Do jeito que você tá"
E o lobo parado assim
do jeito que o lobo estava
já não era mais um LO-BO.

Era um BO-LO.

Um belo bolo de lobo fofo,
tremendo que nem pudim,
com medo da Chapeuzim.
Com medo de ser comido
com vela e tudo, inteirim.


LOBOLOBO


Chapeuzinho não comeu
aquele bolo de lobo,
porque sempre preferiu
de chocolate.
Aliás, ela agora come de tudo,
menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva
nem foge de carrapato.


Cai, levanta, se machuca,
vai à praia, entra no mato,
trepa em árvore, rouba fruta,
depois joga amarelinha
com o primo da vizinha,
com a filha do jornaleiro,
com a sobrinha da madrinha
e o neto do sapateiro.


Mesmo quando está sozinha,
inventa
uma brincadeira.
E transforma
em companheiro
cada medo que ela tinha:
o raio virou orrái,
barata é tabará,
a bruxa virou xabru
e o diabo é bodiá.


FIM