A mãe se escondia atrás de uma pilha
de roupa que precisava ser lavada quando o menino diz:
_Tive um sonho ruim
A mãe não se abala com a confissão.
_Eu sonhei que o avô morreu, que a avó
morreu, que o tio e a tia morreram, que o pai morreu, que você
morreu, que eu morri….
_Ai menino, para de falar besteira!
_Mas é verdade mãe, eu morri.
_Cala boca, menino.
A mãe não era de dar bronca, mas muito se preocupava com tudo que tinha de fazer. Precisava lavar
a louca, lavar a roupa, depois secar, passar, limpar os quartos, a
sala, a cozinha, a copa, o quintal, e o trabalho só se amontoando.
Precisava se virar com a falta de dinheiro e buscar formas de
sustentar a casa. Não queria ter mais uma preocupação. Não queria
se preocupar com um diminuto que creia não estar vivo, destemendo a
morte.
_Menino, desce já da janela. Você vai
se machucar.
_Não vou não mãe! Eu já morri.
Podia ser que o menino não tivesse
mais medo da morte, mas sentia medo de umas boas chineladas.
A mãe batia, mas sentia pena, o menino
não fazia por mal. Mas ela também não podia deixar que ele ficasse
por ai brincando com facas, correndo atrás de cachorros na rua, se
pendurando em árvores.
_Hoje eu falei na escola que eu estava
morto, ai as crianças começaram a rir. Ai eu falei que ia na casa
delas a noite, e agora todo mundo tem medo de mim.
_Para de falar essas coisas, vai ficar
sem nenhum amigo.
A mãe sabia a dificuldade de estar sozinha cuidando de
uma criança tão pequena. Mas a vida é assim. As crianças precisam
ser cuidadas, elas não crescem sozinhas, mesmo aquelas que pensam
que estão mortas.
Certa vez a mãe acordou sentindo
um cheiro de queimado. Levantou desesperada. Um bafo vinha da
cozinha. O menino estava lá, hipnotizado pela mobília incendiando.
A mãe desesperada, atravessou o fogo e conseguiu abrir as torneiras
e lançar a água contra as chamas que já ganhavam volume. Foi com
alguma luta que ela encerrou o perigo, mas o menino ficou com as mãos
queimadas.
_Foi você que fez isso?
O menino, ainda atonito, sacudiu positivamente a
cabeça. A mãe chorou o destino da cozinha, estava tudo destruído,
e a falta de dinheiro não ajudaria em nada. O menino percebido da
angustia da mãe diz.
_ Mãe, eu vou te ajudar.
A mãe chorou o seu destino.
A mãe chorou o seu destino.
Desde então o menino esqueceu a certeza da própria morte. As marcas do fogo na mão mostravam que ele
estava bem vivo. Tão vivo que começou a cuidar de tudo, ajudava a
mãe nas necessidades da casa, da comida até os pregos. Começou a
trabalhar duro, terminou os estudos, conheceu uma moça, casou-se, teve
seus próprios filhos.
A mãe foi acompanhando o menino crescer
e ficar responsável. Foi também se acostumando no seu canto, vendo-o cuidar de si mesmo e de toda família. Se
acostumou tanto que um dia mal percebeu, quando sentou-se na mesa de jantar,
que não havia um prato para ela. Então olhou a família do filho comendo e conversando feliz. Logo se deu conta que poderia
seguir seu caminho em paz.