terça-feira, 2 de abril de 2013

Livro dos irmãos Grimm



Todos conhecem os contos infantis dos irmãos Grimm, ou pelo menos os mais famosos: Branca de Neve, A Bela Adormecida, João e Maria, Rapunzel. Mas essas histórias – em sua maioria recolhidas da tradição oral e publicadas também por outros autores, como o francês Charles Perrault (1628-1703) – chegaram aos leitores brasileiros em adaptações amenizadas e edulcoradas. Agora, 86 narrativas, publicadas em 1812 na Alemanha pelos irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), saem no Brasil em uma tradução fiel e na versão integral. O livro, lançado pela Cosac Naify, tem um atrativo adicional: é ilustrado pelo xilogravurista e cordelista pernambucano J. Borges.
Certos relatos surpreenderão os leitores habituados às edições condensadas e às versões da Disney. A maioria das modificações perpetradas ao longo dos séculos foi no sentido de suavizar a violência e minimizar o substrato sexual das narrativas originais. Alguns exemplos são particularmente eloquentes. No livro de 1812 dos Grimm, quem manda matar e esquartejar Branca de Neve não é sua madrasta, e sim sua própria mãe, que ainda por cima diz ao caçador encarregado da tarefa: “Para provar que cumpriu minhas ordens, traga-me seu pulmão e seu fígado, que eu vou cozinhar no sal e comer”. Já a meiga Rapunzel é engravidada pelo príncipe que a visita em segredo. Na versão mais difundida, a bruxa que a mantém presa no alto da torre descobre a existência do namorado da moça quando esta diz, distraidamente, que ele era mais fácil de puxar para cima do que a própria feiticeira. No relato original, a gravidez avançada de Rapunzel é denunciada por suas roupas cada vez mais apertadas. E ela dá à luz dois gêmeos.
Os irmãos Grimm, que foram também linguistas, filólogos e folcloristas, tiveram um sucesso crescente ao longo do século 19 e rapidamente foram traduzidos para diversas línguas europeias. Nas reedições que fez, a própria dupla tratou de expurgar passagens mais brutais ou picantes. Em pelo menos um caso célebre, os dois suavizaram uma história já conhecida anteriormente. No conto Chapeuzinho Vermelho, tal como publicado por Perrault nos Contos da Mamãe Gansa (1697), a avó e a menina eram devoradas, sem final feliz. Foram os irmãos alemães que introduziram o caçador, que abre a barriga do lobo e resgata as duas ilesas.
O encanto duradouro e universal dos contos infantis – que no século 20 se estendeu ao cinema, ao rádio, à televisão, às histórias em quadrinhos e até aos jogos eletrônicos – inspirou estudos e reflexões de pensadores como o semiólogo russo Vladimir Propp, o filósofo alemão Walter Benjamin e o psicanalista suíço Gustav Jung. E, conforme observa Marcus Mazzari, professor de teoria literária na Universidade de São Paulo, em sua introdução à edição da Cosac Naify, as narrativas dos Grimm foram retrabalhadas, discutidas ou glosadas por escritores modernos do porte de Thomas Mann, Bertolt Brecht e Günther Grass. Hoje parece indiscutível que as ficções desse gênero cumpram um papel importante na formação da psique infantil, dramatizando conflitos internos inerentes ao processo de crescimento do indivíduo. Para Jung e seus seguidores, personagens de contos de fadas encarnam figuras arquetípicas presentes no inconsciente coletivo, retratando uma espécie de essência imutável do ser humano.

fonte: http://bravonline.abril.com.br/materia/infancia-apimentada#image=182-li-grimm-j-borges-4

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