sábado, 15 de setembro de 2012

Mister Curitiba - Dalton Trevisan

Segundo conto vencedor do concurso de contos da revista Status censurado durante a ditadura militar. Demorei a encontra-lo na integra ou em partes, só foi acha-lo na coletanea "As 100 Melhores Eróticas da Literatura Universal", organizada por Flavio Moreira Costa. Aqui eu reproduzo apenas o começo do conto, mas que já da uma idéai da vitalidade da escrita de Trevisan.

Mister Curitiba - Trevisan

_Sente aqui, meu bem.
A menina ainda agarrada a bolsa do Curso Camões.
_Que bom que você veio.
Ruborizada, aceitou o copo. Antes que ele botasse o gelo, bebeu dois goles.
Tantos minutos de espera, descrevendo as suas maravilhas: um dentinho torto, olho gaio, cabelo curto. Ó delícia,: cicatriz de vacina no braço esquerdo. Só então pegou-lhe na mão – uma quente, uma fria.
_Venha ver.
No quarto abraçou-a de pé:
_ Tão lindinha. Não sei o que...Ai, mãezinha, você aqui. Que rostinho mais....Como estou tremendo. Veja só.
A voz do outro, rouca e baixa. Ela, muito assustada, grande olho. Impossível não se repetir:
_ Que felicidade. Você aqui. Esse olhinho quer em engolir. Vermelho que te quero. Ai, ai, aqui nos meus braços.
Já perdida no primeiro beijo.
_ Morda a minha língua.
De repente, o bofetão na orelha, que a derrubou na cama _ pode ser com força não deixa marca.
_ Ai que é isso?
Era tarde: ligeiro a cavalgava, dominando os frágeis punhos.na maior doçura alisou o rostinho em fogo:
_ Quem é que imagina...
Olhava-o com medo de outro tabefe. Mãos trôpegas sobre a blusinha xadrez. Gania, sempre baixinho:
_ Ai, ai. Não posso. Não tenho coragem.
Sacudindo de tremores:
_ Ai senhor, não merco.
Descobriu o umbiguinho. Tapou-o mais que depressa.
_ Não pode ser.
Fungava e pastava no pescoço de cisne branco.
_ Você acaba comigo. Vou ter um ataque
Enterrando as aptinhas, moscas se afogando na compoteira de ambrosia.
_ Não. Você me mata. Não faça isso.
Com um grito a empurrou, furioso à volta da cama. Ela interdita, sem se mexer, a blusa meio erguida. Nem piscava o verde olho arregalado.
Ele sentou-se na poltrona , imagem do desconsolo, mãos na cabeça. Bebeu alguns goles, perdido em mediação: Será que não exagero? Rompo em dó de peito, não sustento a nota. Ficando doido? Nem sei, quando represento. Olhe a menina, coitadinha, igual a qualquer outra, dois braços, duas pernas.
Enfim pendurou o paletó na cadeira. Chegou-se furtivo, ela o vigiava pelo canto olho.
Outra vez montado na egüinha mansa. Repuxou a blusa, ela ergueu os braços. Foi aquela gritaria.
_ Não é verdade. Nunca vi...Seinho tão lindo.
Entre um e outro, não sabia qual:
_ Se aperto, sai leitinho? Aqui eu mato a sede. Ó broinha de fubá mimoso.
Em surdina, melhor não entendesse direito. Repirou fundo. Saltou da cama. Bebeu uns goles. Acendeu cigarrinho:
_ Se não me acalmo. Você me mata.
Mão gaguejante no peito:
_ Disparou, o relógio...Nunca me aconteceu.
Bem quieta, os seios empinados: bonitinha, sim, mais nada. Qual a razão do escândalo.?
Prova de sua bravura, duas rodelas molhadas na camisa, que estendeu sobre o paletó.
_ Oh não, piedade! Carne tão branquinha ninguém não viu.
Mordiscava a penugem douradinha na nuca:
_ Ai, quem é que diz? Tua mãe sabe, sua cadelinha? Que você tem esse corpo?
De assombro o olho agora azul. Berro de fúria.
_ Eu vou contar para tua mãe.
Tanto entusiasmo, livrou-se da calça. Monstro de mil mascaras, desta vez quem seria? O confessor na cela da freirinha de sete saias, a madre escutando atrás da porta? um estropiado de guerra, a enfermeira suspensa no pescoço, girando sem para a cadeira de rodas? O noivo, de pé no corredor, rasga em tiras a calcinha, os pais da menina assistindo a novela na sala? Quem sabe o velho leão fugitivo do circo... Ela a domadora de bota preta e chicotinho?
Zumbia no ouvido um chorrilho de meigos palavrões. Ajudado por ela, puxou-lhe a calça comprida e as meias que combinavam com a blusa. Inclinou-se para beijar o pezinho... E nunca chegou lá. você procura uma palavra no dicionário, distrai-se com outra e mais outra, já não se lembra da primeira.
Com todo o peso sentou-se nela, que gemeu:
_ Não... não. Isso não.



 "As 100 Melhores Eróticas da Literatura Universal". Flavio Moreira Costa(org). Rio de Janeiro. Ediouro, 2003

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