Não havia caldeirões de fogo, nem cachorro de múltiplas cabeças,
muito menos homens alados derramado néctar maravilhoso. Não doía nem ardia. Na verdade
era meio sem cor, sem cheiro, sem sabor, como se o sol brilhasse vigoroso no
céu e um monocromático inverno glacial despencasse em nossas cabeças. Como se
soubesse que o morango é vermelho, a manga amarela, o limão verde, mas quase não
se identificava o vermelho do morango tão inodoro quanto um vazio. Também não havia
qualquer tipo de sabor, nada era doce ou salgado. A língua só identificava um sensação
empapada, como se fosse servido um banquete de papel. Pelo menos se fosse
amargo, o amargo seria uma pista do doce, uma lembrança por contraste. Mas não havia
amargo. Alguns em seu desespero atiravam as próprias cabeças contra as paredes
de concreto, mas não eram duras, muito menos brandas, tinham uma textura
anestesiada.
Mas o mais terrível não era a falta de nitidez, o mais
terrível era o tempo, um tempo que não corria de forma alguma, talvez a falta
de uma morte o destruísse. O fato era que cada segundo pesava tanto quanto a
eternidade. Por mais que se tivessem idéias que se contasse historias, o tempo não
transcorria, era como se nada se movimentasse naquele mundo sem gosto. Uma estupenda
monotonia. Tédio que afogava qualquer tipo de esperança. A única saída era a
loucura. Foi isso que restava: a loucura. Uma multidão vagando desorientada por
caminhos que não acabavam mais se enfileirando para buscar sabe se lá o que. Babando
o que restava de dignidade em seu interior. Aquilo deprimia.
Encontrei um grupo de sujeitos, que afirmava que ali estava
um mundo de sabor, nós que não sabíamos prová-lo. Diziam ver todas as cores, e
que alguns já eram capazes de ver mais cores do que jamais acreditaram existir.
Diziam que em cada bocado de pão havia uma explosão de sabores e perfumes, era
necessário busca-los. Não havia pressa, pois não havia tempo que contar. Eu não
sei se sou muito incrédulo, mas nunca consegui encontrar graça alguma naquilo,
e aquela gente só me pareciam mais um tipo de demente.
Eu já quase me acostumava com a idéia de enlouquecer, era
melhor finalmente me fechar em um mundo que eu ainda guardava na memória, acreditando
que ainda era real, que sucumbir a verdade gris, e deixá-la ocupar o espaço das
minhas boas lembranças.
Foi por isso que quando eu senti meu corpo todo cortado e
ainda sangrando, o cheiro da minha carne quase apodrecendo, e do ar oxidando
meus pulmões, quando senti o tique-taque indicando o final. Gritei aliviado.
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