sábado, 17 de novembro de 2012

Tava tudo escrito


Descobri por acaso o texto "Para a Questão da Habitação" do Engels, lendo o último livro do Harvey lançado aqui no Brasil.
O texto é bem preciso. Triste é ver que as coisas não mudaram nada.


Na realidade, a burguesia tem apenas um método para resolver à sua maneira a questão da habitação — isto é, resolvê-la de tal forma que a solução produza a questão sempre de novo. Este método chama-se «Haussmann».
Por «Haussmann» entendo não apenas a maneira especificamente bonapartista do Haussmann parisiense de abrir ruas compridas, direitas e largas pelo meio dos apertados bairros operários e de guarnecê-las de ambos os lados com grandes edifícios de luxo, com o que se pretendia não só atingir a finalidade estratégica de dificultar a luta nas barricadas mas também formar um proletariado da construção civil especificamente bonapartista e dependente do governo e transformar a cidade numa pura cidade de luxo. Por «Haussmann» entendo também a prática generalizada de abrir brechas nos bairros operários, especialmente nos de localização central nas nossas grandes cidades, quer essa prática seja seguida por considerações de saúde pública e de embelezamento ou devido à procura de grandes áreas comerciais centralmente localizadas ou por necessidades do trânsito, tais como vias-férreas, ruas, etc. O resultado é em toda a parte o mesmo, por mais diverso que seja o pretexto: as vielas e becos mais escandalosos desaparecem ante grande autoglorificação da burguesia por esse êxito imediato mas... ressuscitam logo de novo em qualquer lugar e frequentemente na vizinhança imediata.
Na Situação das Classes Trabalhadoras na Inglaterra fiz uma descrição de Manchester, tal como era em 1843 e 1844. Desde então, alguns dos piores bairros aí descritos foram atravessados, arejados e melhorados, outros totalmente eliminados devido às linhas de caminho-de-ferro que passam pelo meio da cidade, à abertura de novas ruas, à construção de grandes edifícios públicos e privados; no entanto, muitos desses bairros — apesar de a inspecção sanitária se ter tornado desde então mais rigorosa — encontram-se ainda na mesma situação ou mesmo pior, no que respeita ao estado da construção. Em contrapartida, porém, graças à enorme expansão da cidade, cuja população aumentou desde então em mais de metade, bairros que nessa altura eram ainda arejados e limpos, estão agora tão cheios de construções, tão sujos e tão superpovoados como antigamente as partes mais mal afamadas da cidade. Eis apenas um exemplo: no meu livro descrevi na página 80 e seguintes um grupo de casas situadas na parte baixa do vale do rio Medlock e que, conhecidas pelo nome de Pequena Irlanda (Little Ireland), formavam há anos a vergonha de Manchester. A Pequena Irlanda desapareceu há muito tempo; em seu lugar ergue-se hoje, assente em altos pilares, uma estação de caminho-de-ferro; a burguesia vangloriava-se da feliz e definitiva eliminação da Pequena Irlanda como um grande triunfo. Acontece que no Verão passado houve uma grande inundação, semelhante às inundações que crescem de ano para ano e que, por causas facilmente explicáveis, são provocadas nas nossas grandes cidades pelos rios represados. Verifica-se pois que a Pequena Irlanda não foi de modo nenhum eliminada, mas apenas transferida da parte sul da Oxford Road para a parte norte, e ainda continua a florescer. (...)
Este é um exemplo marcante de como a burguesia resolve na prática a questão da habitação. Os focos de epidemias, as mais infames cavernas e buracos em que o modo de produção capitalista encerra noite após noite os nossos operários não são eliminados mas apenas... mudados de lugar! A mesma necessidade económica que os tinha provocado no primeiro sítio produ-los também no segundo. E, enquanto o modo de produção capitalista existir, será disparate pretender resolver isoladamente a questão da habitação ou qualquer outra questão social que diga respeito à sorte dos operários. A solução reside, sim, na abolição do modo de produção capitalista, na apropriação pela classe operária de todos os meios de vida e de trabalho.

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