quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

conto 4

Neco se esticava na cama chateado. O pai perguntava se ele não sairia de casa. O menino dizia que não. Não tinha mais motivos para sair de casa, desde que teve fim o time do Podrão.
Neco não lembrava como começou o time do Podrão, só lembrava que quando começou ele já estava por lá. Ia sempre no Podrão, um lugar conhecido pelo cheiro ruim que espantava até urubu, mas que não causou arrepio em Neco, porque seu nariz entupido. Neco achava o matagal que envolvia o Podrão um lugar agradável para prática de chute a bola.



Não lembrava se quando chegou o Totói já estava ali, ou se ele chegou depois, mas lembrava que suas primeiras pernadas na bola teve como parceiro o Totói. Neco tinha quase certeza que a Marmota estava lá, e o Piolho também. Na verdade todo mundo tinha chegado meio junto, Perneta, Zaroio, Dodonha, Fufu, Caca, Jojo, Aranha, Volinho e Pirambeira. Era essa toda a equipe, às vezes estavam todos, as vezes não estava ninguém, mas quando estavam juntos a bola rolava alegre. As tardes corriam até a ultima gota de sol, como se fossem o último time do mundo, até a bola ficar redonda demais naquela escuridão, as mutucas atacarem com fome, e já fora hora de voltar pra casa.



Um dia o Alfredo, primo do Neco,  disse que o vizinho dele tinha se inscrito em um campeonato de futebol  que valia um premio. A lanterninha da cozinha da cabeça do Neco acendeu. Ele resolveu convencer todos da equipe que eles deveriam se inscrever no tal campeonato, o que não foi fácil, pois significariam que deveriam estar todos nos mesmo horário, e alguns não acordavam cedo de jeito nenhum. Depois de todos estarem de acordo, tiveram que arranjar dinheiro pra inscrição, o que significou pedidos para os pais, carregamentos de sacolas para vizinhança e até pequenos furtos. Finalmente conseguiram juntar o dinheiro necessário, então tiveram que pedir para um adulto. Foi o próprio pai do Neco que inscreveu a equipe no Campeonato Juvenil de Futebol Amador.



Neco estava tão animado que conseguiu contagiar todos para que estivessem na hora, no dia e no local que a equipe defenderia seu brasão. O dia ensolarado prometia uma partida emocionante. Mas não foi exatamente o que aconteceu. A equipe do Podrão sofreu desde o começo, primeiramente com dois desfalques. O campeonato permita apenas garotos, o que impedia que Perneta e Caca jogassem, já que eram meninas,  apesar do protestos das duas, e de toda a equipe, já que Perneta era a grande craque do Podrão.



Mas os problemas não pararam por ai. Nitidamente prejudicada pela arbitragem, a equipe do Podrão não teve momento de descanso. Logo no inicio, disse o juiz,  que eles não podiam começar jogando com a bola, pois o adversário havia ganho no par o impar. Depois tiveram a bola tomada pelo próprio juiz que disse que eles deveriam respeitar quando ele usasse aquele apito insuportável. Depois disse que eles não podia chutar a bola para muito longe, que era fora, não podiam socar o adversário que era falta, não podiam botar a mão na bola que era falta, não podiam xingar que era falta, e falta, e falta e falta, e gol, e gol, e gol do adversário. Mal escutavam gol já viam a rede balançando de novo, um verdadeiro massacre.



Massacre tão duro, que abalou até o brio de Neco, que irritado com aquela humilhação, acusou Zaroio por haver cuspido no juiz, Zaroio disse que se defendia das broncas injustas que tomava. Neco também acusou Jojo, de não haver tocado na bola. Jojo respondeu que preferia ficar quieto a ficar escutando as apitadas. Totoi ficou com raiva de Neco, por distribuir broncas e fazer com que ele gastasse toda sua mesada naquele campeonato, estúpido. Volinho foi defender Neco. Perneta e Caca ficaram com raiva de todos os meninos que jogaram mesmo sem as duas. No final todo mundo estava com raiva de todo mundo, e foram todos para casa jurando nunca mais pisar no Podrão.



Ninguém ficou mais abalado que Neco, que havia apostado muito naquele campeonato, e agora não tinha nem mais time para jogar. Foram meses que ele passou sem pensar em bola,  ficando cada vez mais triste, até que uma saudadeiznha começou a apertar seu coração, e apesar de tudo, ele volta ao Podrão, mas quando ele volta a aquela arena que havia recebido altas demonstrações da arte com a bola ele a encontra toda cercada com uma placa dizendo, que por ali passaria uma avenida.


Neco ficou arrasado, se sentia culpado pelo fim tão triste da equipe do Podrão, lembrou com saudade. Seus olhos marearam. Assuou o nariz e sentiu falta até do fedo do Podrão, tanta saudade que teve a impressão que até sentia o cheiro do Podrão. Opa mas não era só impressão, ele sentia o cheiro do Podrão. Neco foi seguindo farejando aquele fedo, até chegar a um matagal, no meio de um terreno baldio. Neco reconheceu aquele cheiro horrível de crianças correndo atrás de uma bola. Pode ver ao fim, no meio do mato alto, todo mundo ali. O pessoal quando viu Neco acenou para que ele se aproximasse. O Podrão estava ali, e a melhor equipe do mundo podia continuar jogando.

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