Coberto de sangue, não se mexe, não respira, não pisca.
Inabalável, rígido, frio, como se estivesse morto. Como se não houvesse ninguém
ali. Queria que eu acreditasse que não estava lá. Como se não esperasse o
momento ideal para atacar e matar. E, finalmente, o nada ser eu.
Já tem quase uma hora que me olha daquele jeito.
Coberto de sangue, não se mexe, não respira, não pisca. Inabalável, rígido,
frio. Exatamente como contavam. Eu tentava não acreditar em histórias, ainda
que as temesse. Justo eu estava condenado ao encontro com a criatura. Criatura
que desesperada por ter deixado de ser homem, acabava com outros homens, como
eu.
Contavam-se as atrocidades mais terríveis. Um
assassino, um corpo dilacerado, todo o ódio acumulado rastejando pela sala
escura, esperando a chegada de mais uma vítima, estraçalhava com crueldade.
Ninguém sobrevivia. Ninguém! Sua fúria rasgava a carne, chupava o sangue,
triturava o crânio, roía os ossos. Dali só saiam as mais desagradáveis imagens,
sem qualquer vestígio de terem sido corpos humanos.
Eu, pequeno e raquítico, tremo, choro, ofego, temo que
me ataque. Quase morro com pavor da cara do animal que, com olhar frio, fareja
as minhas debilidades, prometendo uma morte miserável. Fico assim.Mantendo o
coração acelerado, Para não dormir, nem me distrair e não esquecer que ele
ainda está lá,,
Não sei o que espera essa gente cruel. Não podia só me
trancar? Não podia só me matar? Tinha que me prender ali, com esse esse
selvagem? Me tratando como ração dada a cachorro faminto. Me forçando a dividir
espaço com uma criatura incapaz de dividir o mesmo espaço.
Olho ao redor, só existe uma janela no alto da sala,
que mal deixa passar o ar. Se aquilo não fosse uma criatura, poderia apoiar-me
na fuga. Seríamos livres. Mas só eu quero ser livre. Ela continua sem se mover.
Seus olhos com o mesmo vazio. Será que me observa? Será que sente os meus
movimentos?? Será tão fatal que não precisa ver?
Não acabarei assim! Me levanto buscando mais ar. Não
consigo respirar, o chão me sufoca. Me estico, me exponho. A criatura não se
move, fica me olhando. Busco esconderijo, onde possa observa-la melhor. Me movo
com cuidado sem oferecer brecha. Vou me esgueirando pelas paredes, tentando me
afastar, procuro o lugar mais alto, subo numa inclinação da parede, me apoio
nos tijolos mal postos, faço um esforço pra me equilibrar. Uma pedra mal
intencionada escorrega. Caio em um golpe no chão. Levanto com coração
disparado. Me recolho rápido. A criatura me olha inerte.
Sinto a perna lesionada pela queda, olho o sangue. A
criatura se começa a se movimentar. Tento estancar o corte, mas o sangue jorra
desesperado. O mal se aproxima de mim. Desespero. A morte é agora.
Levanto as mãos. Começo a gritar, escorrego no chão,
sinto a pedra que rolou,Agarro-a. Atiro na cabeça da criatura. Ela cai para
trás. O sangue sai da cabeça e inunda a sala. Agora o sangue é seu. Está morta,
agora só resta eu. Eu, o assassino da besta. Eu e seu cadáver juntos para
sempre. Sinto um breve alívio.
Mas a única porta se abre, luzes intensas entram e se
esgueiram pelo sala, chegam até o corpo do defunto e o levantam. Depois avançam
até meus olhos me cegando, me paralisam, não vejo nada, só sinto o medo. Fazem
muito barulho, não sei o que acontece, o temor de uma punição me deixa exausto,
encolho cansado, não posso lutar mais. Fecho os olhos e espero que tudo
termine.
De repente a porta se fecha e as luzes se apagam. Eles
se foram, mas deixam diante de mim um ser pequeno, raquítico, que treme, chora,
ofega, temendo que eu o ataque. Eu continuo lá. Coberto de sangue. Não me mexo,
não respiro, não pisco. Inabalável, rígido, frio, como se estivesse morto.
Assassino, quase animal.
Bem interessante!
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