sexta-feira, 9 de maio de 2014

Conto 1



Coberto de sangue, não se mexe, não respira, não pisca. Inabalável, rígido, frio, como se estivesse morto. Como se não houvesse ninguém ali. Queria que eu acreditasse que não estava lá. Como se não esperasse o momento ideal para atacar e matar. E, finalmente, o nada ser eu.
Já tem quase uma hora que me olha daquele jeito. Coberto de sangue, não se mexe, não respira, não pisca. Inabalável, rígido, frio. Exatamente como contavam. Eu tentava não acreditar em histórias, ainda que as temesse. Justo eu estava condenado ao encontro com a criatura. Criatura que desesperada por ter deixado de ser homem, acabava com outros homens, como eu.
Contavam-se as atrocidades mais terríveis. Um assassino, um corpo dilacerado, todo o ódio acumulado rastejando pela sala escura, esperando a chegada de mais uma vítima, estraçalhava com crueldade. Ninguém sobrevivia. Ninguém! Sua fúria rasgava a carne, chupava o sangue, triturava o crânio, roía os ossos. Dali só saiam as mais desagradáveis imagens, sem qualquer vestígio de terem sido corpos humanos.
Eu, pequeno e raquítico, tremo, choro, ofego, temo que me ataque. Quase morro com pavor da cara do animal que, com olhar frio, fareja as minhas debilidades, prometendo uma morte miserável. Fico assim.Mantendo o coração acelerado, Para não dormir, nem me distrair e não esquecer que ele ainda está lá,,
Não sei o que espera essa gente cruel. Não podia só me trancar? Não podia só me matar? Tinha que me prender ali, com esse esse selvagem? Me tratando como ração dada a cachorro faminto. Me forçando a dividir espaço com uma criatura incapaz de dividir o mesmo espaço.
Olho ao redor, só existe uma janela no alto da sala, que mal deixa passar o ar. Se aquilo não fosse uma criatura, poderia apoiar-me na fuga. Seríamos livres. Mas só eu quero ser livre. Ela continua sem se mover. Seus olhos com o mesmo vazio. Será que me observa? Será que sente os meus movimentos?? Será tão fatal que não precisa ver?
Não acabarei assim! Me levanto buscando mais ar. Não consigo respirar, o chão me sufoca. Me estico, me exponho. A criatura não se move, fica me olhando. Busco esconderijo, onde possa observa-la melhor. Me movo com cuidado sem oferecer brecha. Vou me esgueirando pelas paredes, tentando me afastar, procuro o lugar mais alto, subo numa inclinação da parede, me apoio nos tijolos mal postos, faço um esforço pra me equilibrar. Uma pedra mal intencionada escorrega. Caio em um golpe no chão. Levanto com coração disparado. Me recolho rápido. A criatura me olha inerte.
Sinto a perna lesionada pela queda, olho o sangue. A criatura se começa a se movimentar. Tento estancar o corte, mas o sangue jorra desesperado. O mal se aproxima de mim. Desespero. A morte é agora.
Levanto as mãos. Começo a gritar, escorrego no chão, sinto a pedra que rolou,Agarro-a. Atiro na cabeça da criatura. Ela cai para trás. O sangue sai da cabeça e inunda a sala. Agora o sangue é seu. Está morta, agora só resta eu. Eu, o assassino da besta. Eu e seu cadáver juntos para sempre. Sinto um breve alívio.
Mas a única porta se abre, luzes intensas entram e se esgueiram pelo sala, chegam até o corpo do defunto e o levantam. Depois avançam até meus olhos me cegando, me paralisam, não vejo nada, só sinto o medo. Fazem muito barulho, não sei o que acontece, o temor de uma punição me deixa exausto, encolho cansado, não posso lutar mais. Fecho os olhos e espero que tudo termine.
De repente a porta se fecha e as luzes se apagam. Eles se foram, mas deixam diante de mim um ser pequeno, raquítico, que treme, chora, ofega, temendo que eu o ataque. Eu continuo lá. Coberto de sangue. Não me mexo, não respiro, não pisco. Inabalável, rígido, frio, como se estivesse morto. Assassino, quase animal.

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